A Fúria Melódica do Hüsker Dü


                   
O Hüsker Dü foi uma das bandas mais visionárias e corajosas do harcore americano, desafiando um público que tendia a valorizar um purismo exagerado e avesso a maiores inovações musicais. Onde havia a preocupação com o sentimento tribal, o “movimento”, eles faziam música para indivíduos. Onde havia ortodoxia com ênfase em uma postura agressiva, o som deles era confessional e expunha medos, fraquezas e dúvidas. Até esteticamente o Hüsker Dü era bem peculiar: um sujeto com cara de frentista, outro bigodudo com jeitão de viado  mais um riponga com cabelão que tocava bateria descalço não era lá o que se esperava de uma típica imagem punk!
Logotipo do HD; o círculo simboliza a banda, as três listras horizontais os integrantes e a vertical a corrente comum de pensamento 

O Hüsker Dü surge em ’79, tendo a liderança dividida pelo guitarrista/vocalista Bob Mould e pelo baterista/vocalista Bob Mould e que eram habilmente amparados pelo baixista Grant Norton. Amavam a "blank generation" e os Ramones acima de todas as coisas,  mas também eram fortemente ligados nas melodias doces e texturas psicodélicas feitas na década anterior.
No início só tiravam covers, e é de um desses covers, “Psycho Killer” dos Talking Heads, que surgiu o nome da banda.  No verso “psycho killer qu'est-ce que c'est" eles não sabiam pronunciar a parte em francês e faziam brincadeiras com isso. Alguém disse ”Psycho Killer, Hüsker Dü” e o nome pegou. Hüsker Dü é o nome de um jogo de tabuleiro para crianças e que em sueco significa “você se lembra?”.
Hüsker Dü: o jogo
Após assistirem a um show do Black Flag, enxergam no hardcore algo novo e decidem seguir também por esse caminho. Logo gravam o ep ao vivo “Land Speed Records” e o LP “Everything falls apart”. Esses dois discos são um mar de feedback, vocais abafados e bateria atropelando tudo, sendo muito distantes do estilo que os consagrou. Mesmo seguindo uma fórmula mais convencional de muitas bandas do período, o Hüsker Dü era “diferente”.
                                            

Já logo no início essa diversidade começou a  se manifestar e passaram a se sentir desconfortáveis com o aspecto doutrinário do hardcore. Isso se reflete no próximo lançamento “Metal Circus”, onde aparecem os traços mais fortes da personalidade musical do Hüsker Dü: ênfase nas melodias e na criação de canções marcantes. A mórbida balada “Diane” (que recebeu muitos covers através dos tempos) é o maior exemplo disso. “Real world” e “It’s not fun anymore” são críticas a utopia e falta de senso de humor que povoavam os guetos punk/hc.
                           

No ápice da ambição criativa, decidem fazer o primeiro disco duplo conceitual de hardcore, contando a história de um adolescente que foge de casa, tem todo tipo de experiências e retorna “transformado” pelo conhecimento adquirido. Álbuns duplos e ainda por cima óperas-rock eram a antítese do que o Punk Rock representava, sendo associados com a megalomania da década de 70. Mas tão logo "Zen Arcade" foi lançado em 1984, redefiniu todo um estilo, sendo considerado até hoje um dos discos mais representativos já feitos. Em músicas vigorosas como “Something I learned today”, “Chartered trips", “Whatever”, “Broken home, broken heart”  não ficam nada a dever ao melhor do poppy punk praticado por Ramones e Buzzcocks, suas maiores referências. Mas o ecletismo é a principal característica de "Zen Arcade": um impressionante registro só de voz e violão de doze cordas ("Never talk to you again"), uso de piano ("Monday will never be the same") e momentos bastante noise e psicodélicos (“Hare krsna” e os quase 14 minutos de “Reocurring Dreams). O Minutemen (da SST Records também) se inspirou nessa idéia de um disco duplo e assim “Zen Arcade” e “Double Nickels and dimes” foram lançados no mesmo dia, uma estratégia de marketing que ajudou a SST a se afirmar como uma gravadora de vanguarda.
                                          

O Dü lançava discos quase que em seguida, e logo veio "New Day Rising". A faixa-título, com um verso só berrado por Mould e Hart, era um  grito primal, um mantra afirmando que um “novo dia estava nascendo”. A vida na estrada era estressante e turbulenta. E o dinheiro escasso. Os temas foram abandonando a rebeldia adolescente e adentrando um universo adulto, com ênfase em decepções e crises emocionais causadas em sua maior parte por rupturas amorosas. O fato de os  dois compositores principais da banda viverem relacionamentos homossexuais (não entre si, como sempre negaram) num tempo em que isso era bem mais estigmatizado e a AIDS era o “câncer gay” com certeza intensificou sentimentos de rejeição, descrença, abandono e inadequação, que eram a maior parte do universo temático do grupo.
 
Com a inflação de egos promovida  pela imprensa (sempre foram queridos pela crítica) nesse período se acentua uma rivalidade entre Mould e Hart por controle artístico. Mould representava o lado mais carregado emocionalmente e pessimista, enquanto as composições de Hart tinham um tom mais leve, pop e esperançoso. Algo bem semelhante ao que acontecia com a relação Lennon/McCartney.
                            
"Flip your wig", de 1985, disco predileto de Mould, marca o  último lançamento deles por um selo independente e também a opção por um som mais limpo e power pop, que daria o direcionamento adotado pela banda dai para frente.
 
Assinam com a Warner e gravam dois discos pela major. “Candy Apple Gray”  é sensivelmente mais fraco que os três discos anteriores, mas contém algumas de suas melhores músicas: ”I don’t wanna know if you are lonely”, ”Too far down”, “Dead set on destruction” e “Hardly getting over it” são as que eu gosto mais.
Em 1987 vem mais um disco duplo e também uma obra-prima:  “Warehouse: songs and histories”. Com a relação bastante desgastada entre Mould e Hart, "Warehouse" aparenta às vezer ser dois álbuns solo de dois artistas diferentes, mas isso não tira o brilho de canções irretocáveis e atemporais. É também seu último registro. O mais belo canto do cisne que se tem notícia.
O cansaço provocado pela falta de estrutura das turnês, as crises internas (agravada pelo vício de Hart em heroína) e o suícidio do empresário da banda precipitaram o fim da banda na turnê de “Warehouse”.
                                 

Mould e Hart seguem com carreiras-solo atualmente. Ainda se odeiam e não perdem qualquer oportunidade de se atacarem na imprensa. Norton virou dono de restaurante e faz participações esporádicas no meio musical.
O Hüsker Dü é um caso de banda que encerrou atividades no seu ápice e é um das poucas que podem se gabar de não  ter gravado nada ruim. Sua influência nos caminhos seguidos pelo underground é gigantesca: Nirvana, Pixies, Foo Fighters, Green Day tem uma dívida enorme com eles. Infelizmente não colheram os frutos a que faziam juz e assistiram centenas de influenciados e imitadores ficarem milionários com o som que eles desenvolveram. Em  geral  essa é a injusta  sorte dos pioneiros!

One thought on “A Fúria Melódica do Hüsker Dü”

  1. Cara, sou mil por cento a favor da "pirataria". Alias qual a diferença para o termo cunhado por empresas pique "Warner" da difulsão cultural? Se vigorasse esse sentido de prorpiedade intelectual" (que muitas vezes nem fica ocm o criador da obra, vide o caso dos caras que criaram o Super Homen, não teriamos acesso nem a textos da antiguidade. Então mano, pensam mais ai... Além disso, acho deliciosa a palavra PIRATA, de muito bom ser um mouro errante barbarizando a cristandade anglicana!
    Mas isso
    longa vida ao blog e vida longa OI!

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